O ChatGPT e outras IAs vão destruir a nossa capacidade de pensar?

Eu gostaria de iniciar esse texto afirmando com veemência que de forma alguma nossa capacidade de pensar será destruída por essa evolução tecnológica. Mas não posso fazer isso, porque não seria verdade.

Também me faria muito bem afirmar que as IA (Inteligências Artificiais, ou para quem prefere termos em inglês: AI - Artificial Intelligence) não vão substituir os seres humanos em suas ocupações laborais. Mas eu estaria mentindo.

Afinal, não precisamos ir muito longe para entender o impacto que essas transformações tecnológicas acarretam na forma de funcionar das pessoas.

Lembro-me de que quando era criança, todas as casas possuíam telefones. Na época, simplesmente telefones. Só depois de muito tempo é que precisamos adicionar o adjetivo “fixo” porque passamos a ter “telefones móveis”. Quanta evolução!

Naquele tempo, eu tinha vários telefones gravados na minha memória: o da minha casa, evidentemente; do trabalho dos meus pais; da casa da minha avó; da casa de 2 ou 3 amigas; se não me engano, sabia até o da minha escola.

A agenda telefônica, antes do celular, era artigo precioso. Ai de mim rabiscar qualquer um daqueles números! Meus pais ficariam muito chateados, porque não podiam perder aquelas anotações de jeito nenhum.

Eis que então surgem os telefones celulares. Agora já não era mais preciso carregar agendas telefônicas pesadas na bolsa –  bastava salvar o número na agenda eletrônica do celular e pronto! Nem digitar o número novamente seria preciso. Era só encontrar o nome da pessoa e clicar no botão ligar. Feito mágica!

O efeito disso? Otimização da vida das pessoas, facilidade para a comunicação, agilidade e outros benefícios. Porém, com isso, paramos de memorizar os números de telefone.

Não sei você, mas eu só sei o meu próprio número de cor (e às vezes ainda me confundo). Se a bateria do meu celular descarrega e eu preciso falar com alguém, ferrou!

Pode parecer bobeira, mas não memorizar números de telefone é só um exemplo simples de como as tecnologias mudam nossa forma de funcionar.

As facilidades proporcionadas por essas inovações, tornam nosso dia a dia muito mais fácil. Mas já parou para refletir quais são os efeitos disso nas nossas vidas?

Então vamos juntos fazer isso.

As pessoas não gostam de pensar
As pessoas estão sem tempo
Efeito manada
Por que usar (ou não) o ChatGPT?
Como usar o ChatGPT de forma positiva

As pessoas não gostam de pensar

O ser humano é bicho preguiçoso. Adoramos atalhos! Nosso cérebro naturalmente funciona assim.

Já ouviu falar em gatilhos mentais? Muito usados pelo marketing e em estratégias de vendas, os gatilhos mentais trabalham com o que os psicólogos chamam de atalhos mentais.

Os estudiosos do funcionamento da mente humana descobriram que nos julgamentos do dia a dia nós usamos uma série de atalhos mentais, que operam quase da mesma forma que a regra “caro é igual a bom”. Reconhece isso?

Pois é. Esses atalhos mentais permitem um pensamento simplificado que funciona bem a maior parte do tempo, mas nos deixa sujeitos a erros custosos ocasionais. Como quando caímos em ciladas por conta do nosso julgamento superficial e pensamos: “como eu pude cair nessa!”

São esses atalhos que nos indicam quando devemos acreditar no que nos dizem ou quando devemos fazer o que nos pedem. Por exemplo, há um atalho que nos diz “se um especialista disse isso, deve ser verdade”. E por isso, aceitamos cegamente nas afirmações e diretrizes de indivíduos que parecem ser autoridades em determinados assuntos.

Nem precisamos refletir sobre o que ele disse! Pegamos um atalho. É mais fácil. E é seguro, não é mesmo?

Bom, pelo menos é nisso que acreditamos, ou queremos acreditar. Essa tendência de reagir de modo mecânico a uma informação em cada situação é o que se chama de reação automática.

Já a tendência a reagir com base numa análise minuciosa de todas as informações (pensando a respeito, refletindo criticamente) pode ser chamada de reação controlada [1].

Você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com a tecnologia. Na verdade, a princípio, não tem.

O que estou querendo esclarecer aqui é como nossa mente funciona. Naturalmente, somos preguiçosos. Evitamos pensar. Tanto que o nosso cérebro criou mecanismos para nos poupar desse penoso trabalho, como é o caso dos atalhos mentais que mencionei.

Agora, me diga uma coisa: você acha que diante de todas as facilidades e atalhos que a tecnologia vem colocando a nossa disposição, nossa capacidade de pensar será fortalecida ou enfraquecida?

Eu já tenho a minha resposta.

As pessoas estão sem tempo

Outro ponto que vale a pena trazer para a reflexão é a otimização do tempo proporcionada pela tecnologia. Sem dúvida, um dos principais ganhos que temos com isso tudo.

Tempo é recurso escasso. A maioria das pessoas que conheço, sofrem com a falta de tempo (ou pelo menos é nisso que querem acreditar).

Aqui não vou entrar nem no mérito de priorização de tarefas, organização e outros pontos que nós já sabemos resolver a falta de tempo da maioria das pessoas.

Fato é que a sensação de falta de tempo, de urgência, de se correr contra o tempo é a ideia que permeia a sociedade nos dias de hoje e qualquer coisa que proponha a nos dar mais tempo livre, conquista de imediato nossa atenção.

Com isso, tarefas do dia a dia passam a ser feitas por máquinas e robôs. Quem ainda não tem um robô aspirador, está perdendo tempo!

Se dá para otimizar através da tecnologia, lá estamos nós, trocando nossos papéis e responsabilidades por artefatos tecnológicos.

O que nos impedirá de trocar o trabalho de pensar pela comodidade de termos uma IA fazendo isso por nós?

Assim sobrará mais tempo para nos dedicarmos a coisas que gostamos mais… não é?

Inteligência Artificial vai substituir a Natural?
Inteligência Artificial vai substituir a Natural?

Efeito manada

“Como assim você ainda não está usando o ChatGPT no seu dia a dia?”

Parece absurdo você ficar de fora dessa nova moda. Se todo mundo está usando, você também deveria estar.

Afinal, o ChatGPT está tornando a vida de todos tão mais fácil e otimizada. Será mesmo?

Não posso negar que a ferramenta é incrível e a minha opinião sobre ela trarei nos próximos tópicos. Agora só quero fazer você pensar um pouquinho sobre o efeito manada.

Essa expressão diz respeito à tendência de indivíduos seguirem a opinião ou ação de um grupo irracionalmente e sem analisar os fatos ou fundamentos. Lembra dos atalhos mentais? Esse é outro.

Quando mais pessoas estão fazendo ou comprando algo, deduzimos que aquilo é bom, útil ou até mesmo necessário, e repetimos o comportamento dos outros, mesmo sem avaliar criteriosamente e concluir que sim, aquilo também serve para nós.

O termo efeito manada, a princípio, refere-se ao comportamento dos animais em rebanhos, como cardumes de peixes, bandos de aves, e assim por diante.

Tal como os animais que se movem em grupos, nós seres humanos também apresentamos essa tendência e, pelo que observo, é o que vem acontecendo com as IA.

Como pode você ficar de fora dessa, se tá todo mundo usando? Eu sei, não é fácil.

Mas o fato é que você não precisa ficar de fora, para ser o diferentão ou aquele que não segue a manada.

Pode ser que para você, para seu trabalho, seus estudos, seu negócio a IA faça sentido. Então sim, você deve usá-la e tirar o melhor proveito disso.

Mas usar por usar, sem pensar de forma estratégica, sem refletir criticamente, sem saber o porquê de você estar usando não parece fazer muito sentido, concorda?

Por que usar (ou não) o ChatGPT?

Você deve ter visto por aí que o ChatGPT já conta com 100 milhões de usuários desde o seu lançamento. Essa marca foi atingida já no segundo mês da ferramenta. É muita gente usando!

E faz sentido que essa tecnologia desperte tanto o interesse das pessoas. O que ela faz é realmente inovador e incrível.

Vamos dar um passo atrás e falar um pouco sobre a ferramenta, antes de opinar a respeito.

A sigla GPT significa “Generative Pre-Trained Transformer” e dá nome a um modelo de linguagem baseado em deep learning (aprendizagem profunda), um braço da inteligência artificial.

Ou seja, quanto mais interagimos com a ferramenta, mais inteligente ela fica. Muito Matrix, não é?

Para gerar os diálogos, o ChatGPT se apoia em milhares de exemplos de linguagem humana, permitindo que a ferramenta entenda em profundidade o contexto das solicitações dos usuários e possa responder às demandas de maneira mais precisa.

Não podemos negar que estamos diante de uma tecnologia inovadora, com múltiplas possibilidades de uso e que permite acessar um vasto conhecimento espalhado pela internet nas mais diversas fontes.

Mas se lembrarmos dos filmes de ficção científica, quando uma IA vai se aprimorando, normalmente acaba se voltando contra os humanos, seus criadores. Parece coisa da teoria da conspiração e há quem defenda que isso é impossível de acontecer.

Eu não sou capaz de opinar sobre isso, dadas as minhas limitações cognitivas acerca do assunto. Mas, apesar disso, eu acredito que de certa forma essa inteligência vai se voltar sim contra os humanos, não no sentido de destruir a humanidade, mas de destruir a nossa capacidade de pensar.

Vi essa charge numa rede social esses dias, não sei quem é o autor, mas achei que foi muito pertinente a crítica:

Charge onde uma pessoa fala para outra sobre preocupação com retrocesso da inteligência natural
Charge retirada do Linkedin.

É esse o ponto. Não há problema em avançarmos na inteligência artificial. O problema reside no retrocesso da nossa inteligência humana, que pode acontecer com o apoio das IAs.

Por isso, quando você se deparar com a questão: usar ou não o ChatGPT, pense nisso. Use-o de forma positiva, que vá agregar no seu conhecimento. E não de forma destrutiva, substituindo o ato de pensar, minando sua capacidade de raciocinar.

O cérebro, quando não usado, atrofia. Acredite se quiser!

Como usar o ChatGPT de forma positiva

Unindo forças com as IAs
Unindo forças com as IAs

Não, esse não é um texto contra o ChatGPT ou anti-evolução-tecnológica. Pelo contrário! Sou defensora do uso da tecnologia e acredito que ela amplia nosso potencial como seres humanos em diferentes níveis e das mais diversas formas.

O objetivo aqui não é dizer para você não usar a ferramenta. Mesmo porque, seria hipocrisia da minha parte. Desde que a descobri, venho usando quase que diariamente no meu trabalho e tem me ajudado muito.

O ChatGPT otimizou minha rotina de pesquisa e criação de conteúdo como nenhuma outra ferramenta jamais tinha feito!

A minha intenção ao escrever esse artigo é alertar para o uso positivo dessa tecnologia. Assim como todas as outras. Não devemos permitir que as facilidades nos tornem ignorantes!

Veja, antigamente, na era pré-internet (da qual eu não cheguei a fazer parte), os estudantes precisavam ir à bibliotecas fazer pesquisas. Poucas pessoas tinham enciclopédias em suas casas.

Era preciso encontrar a enciclopédia com a letra do tema de pesquisa, ler o conteúdo e escrevê-lo. Neste processo, líamos e escrevíamos. Assim, eram fixados conceitos na nossa memória, porque ligações sinápticas eram construídas neste processo.

Com o advento da internet, isso mudou. Para fazer trabalhos de pesquisa, os estudantes passaram a pesquisar o tema no Google, encontrar um site que falasse a respeito, selecionar o texto, Ctrl+C na página, Ctrl+V no word, Ctrl+P e pronto!

Nem escrever não se fez mais necessário. Alguns alunos mais dedicados, ainda tinham o trabalho de ler, para garantir que não entregaria algo péssimo ao professor.

Mas aquele momento de concentração, leitura acompanhada de escrita que ajuda a construir o conhecimento, foi-se embora. Ficou obsoleto.

E agora com o ChatGPT? Tudo, ou praticamente tudo, é possível.

Qualquer trabalho pode ser feito e os professores nem conseguirão identificar se é plágio, uma vez que a ferramenta gera (ou pelo menos é o que dizem por aí) respostas únicas.

Como vai ficar a pesquisa desses estudantes? Ou melhor, como vai ficar a aprendizagem?

É neste ponto que o uso positivo da ferramenta precisará ser ensinado pelos professores e instituições.

No meu caso, por exemplo, o Chat tem me servido como ferramenta de apoio em pesquisas, como um auxiliar de escrita e na geração de ideias de conteúdos.

Eu uso a ferramenta para otimizar uma parte do meu trabalho. Mas eu não peço que ela faça o meu trabalho por mim. Dá para entender a diferença?

Vou dar um exemplo prático. Antes de usar o ChatGPT, eu escolhia um tema sobre o qual queria escrever como parte da estratégia de marketing de conteúdo da empresa na qual trabalho.

Aí eu ia para o Google e pesquisava o que outros sites e blogs falavam a respeito. Então eu montava um esqueleto do texto e começava a produzir. Nisso, um bom tempo era gasto.

Hoje, com a IA do ChatGPT, eu otimizei essa etapa. Com um tema em mente, vou até a ferramenta e pergunto: “O que um artigo sobre o tema xpto precisa abordar para rankear na primeira página do Google?”

E aí já tenho meu ponto de partida. Mas calma! Isso não significa que eu vá pegar essa informação que ele me deu e tomar como verdade absoluta. Eu ainda faço minha verificação de outros sites e blogs, analiso minha estratégia e adapto a sugestão do Chat ao que eu realmente acho que vá funcionar.

Eu somo forças com o ChatGPT. Não uso a força dele no lugar da minha.

Não estou dizendo que você deve fazer o mesmo. Cada um age conforme sua própria consciência e senso de certo e errado. O que estou tentando transmitir para você através deste texto é um alerta para que você não caia na cilada de parar de pensar.

Pensar é o que nos diferencia dos animais. Por isso, devemos estimular o pensamento, fortalecer a nossa capacidade de pensar e usar as novas tecnologias a favor disso, não contra.

Eu sei que dá preguiça. Que é muito mais fácil não pensar e deixar a IA fazer o trabalho duro por você. Mas cuidado: ao fazer isso, você assume que pode ser substituído por ela.

Não sei você, mas eu não gosto da ideia de que o meu trabalho pode ser feito por uma IA.

Por isso, uni minha inteligência à dela. Juntas, podemos mais. Mas para isso, eu não posso perder a minha capacidade de pensar.

Então, respondendo ao questionamento do título deste artigo: o ChatGPT e as outras IAs vão destruir a nossa capacidade de pensar? Depende. Depende da forma que vamos usá-la e depende se vamos permitir que isso aconteça.

A responsabilidade por isso está nas nossas mãos. Ou melhor, nossas cabeças.


[1] Chaiken, S. e Trope, Y. (orgs.) (1999). Dual-Process Theories in Social Psychology. Nova York: Guilford.

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