Os dois tipos de conhecimento (ou como ser inteligente)

Apesar do artigo que introduziu a Teoria da Evolução ao mundo ter sido publicado somente em 1858, Charles Darwin concebeu a ideia em 1838.

Ele havia ficado 5 anos no HMS Beagle como geólogo, quando percebeu algo peculiar nos seus registros: a distribuição geológica dos fósseis e da vida selvagem mostrava um padrão de mudança entre diferentes espécies.

Na época, o antecessor controverso da teoria de Darwin era a transmutação, a qual sugeria que uma espécie se transformava em outra, mas erroneamente assumia que isso ocorria devido à alguma força espontânea da vida, ou leis que entravam em cena em tempos determinados por Deus, ou algum outro processo misterioso e não identificado.

Os críticos viam essa teoria como uma fraca tentativa de materialização da vida, uma ideia que havia tomado conta do mundo desde o Iluminismo, sem nenhuma evidência real para suportar essa afirmação radical.

O artigo inicial publicado por Darwin (junto com Alfred Russel Wallace, que chegou a conclusões similares), porém, estava claro onde a transmutação falhava: ela dava um processo específico para a mudança.

Em qualquer população de espécies, nós temos uma variação no fenótipo (características observáveis), que vem das mutações que ocorrem no genoma e das mudanças epigenéticas que ocorrem durante a vida, e o resultado é que diferentes indivíduos em um grupo de organismos mostram diferenças nas suas habilidades de adaptação ao ambiente ─ alguns vão bem e sobrevivem; outros não.

Esse simples processo de variação e seleção explica como um ancestral comum produz a diversidade da vida que observamos na biosfera.

Dessa forma, a vida é ─ como Jonas Salk, o famoso médico pesquisador disse ─ “um processo de erros e correções”. Isso nos dá várias tentativas para vencer os desafios de qualquer ambiente introduzindo a variação, ele então seleciona a resposta correta, eliminando o que não funciona.

Conhecimentos úteis de sobrevivência são obtidos e passados às novas gerações, que então podem usar esse conhecimento para melhorar sua eficiência. Mas isso, contudo, não é o único tipo de conhecimento disponível para nós.

Experimentação e refinação

O real processo de aprendizado (ou de ficar mais inteligente) se estende além do nosso genoma pré-determinado, porém a evolução tem um conjunto de precedentes.

Mesmo o aprendizado que temos no mundo segue um padrão de variação e seleção (via eliminação). Nós tentamos várias coisas diferentes, vemos o que funciona, e então baseado nos resultados, eliminamos as outras opções, selecionando as skills que nos serão mais úteis no futuro.

A neurociência cognitiva tem uma teoria sobre a mente (chamada de Processamento Preditivo) que sugere que o cérebro humano é uma máquina de predições, a qual consistentemente cria nossa percepção do mundo baseado em interações passadas com ambientes similares.

No começo, quando você é jovem, não existe muita informação para ser usada, então você guarda a maior parte das informações do mundo externo no seu cérebro, mas assim que vai envelhecendo, você começa a filtrar essa variedade de coisas úteis, fazendo distinções melhores.

Você cria conceitos mentais sobre o que é importante e o que não é, e esses conceitos moldam suas percepções futuras, usando o conhecimento já obtido para selecionar novos conhecimentos.

Todo esse processo é na maior parte intuitivo, e o que o mantém sempre atualizado é sua dor ou prazer, que diz ao seu corpo que em uma certa percepção e sua ação correspondente devem ambas ser reforçadas ou não.

Porém, algumas formas de experiência de dor ou prazer causam surpresa e podem ser usadas para, intencionalmente, dizer à sua mente que algo inesperado foi realizado, dando coragem à você conscientemente reajustar o modelo conceitual.

Seja aprendendo ou praticando esportes, ou simplesmente tentando criar um modelo de realidade mental mais preciso na sua mente, você está lidando com uma variedade de experiências, e dentre essas experiências, você tem que escolher e reforçar as que lhe serão mais úteis.

Dessa forma, tudo que você faz é essencialmente um experimento que vai sendo refinado e corrigido com experiência e prática.

A diferença entre você e, digamos, um jogador de tênis profissional é certamente que ele tem um genoma que o faz mais apropriado para jogar o seu esporte, mas mais importante, ele tem conhecimento intuitivo embutido no seu cérebro vindo de todo o processamento preditivo que fez, num ambiente bem específico, para refinar seu senso do que funciona e o que não funciona.

A mesma coisa pode ser dita sobre grandes artistas e cientistas, empresários e investidores, e outras pessoas que fazem o que fazem no dia-a-dia.

Nosso cérebro é uma máquina de predição que constrói conhecimento e se torna mais inteligente, escolhendo de uma maneira melhor o que ele precisa fazer com as demandas do ambiente.

Conjecturas e suas refutações

O Processo Preditivo por si só não é o que torna humanos únicos. Se ele realmente é o processo pelo qual enxergamos e entendemos o mundo, existem chances de que alguma forma desse processo acontece em outros animais na natureza.

O que deixa os humanos um passo além desse conhecimento empírico de construção de conhecimento é que nós podemos pensar em conceitos abstratos, como uma língua complexa, e então compartilhar esse conhecimento entre as pessoas da nossa cultura.

O melhor sistema formal que já inventamos para isso é o método científico, que funciona baseado na combinação de fazer perguntas, formular hipóteses, e então testar essas hipóteses se baseando nos dados coletados de experimentos e observações.

Da mesma forma que nós temos a variação e seleção na evolução (e no nosso modelo mental empírico), o cientista e filósofo Karl Popper sugeriu que temos isso no questionamento científico também, onde começamos formulando uma conjectura baseada na informação incompleta (teoria), e melhoramos nossas conjecturas, refutando-as.

A ciência, dessa forma, pode nunca ser completamente certa de nada, mas isso se torna cada vez mais correto quando refutamos más conjecturas e as substituímos por melhores. Para algo ser considerado uma teoria científica, esse algo tem que ser capaz de estar incorreto.

Nós não precisamos apenas contar com a nossa mente se atualizando nos inserindo em diferentes ambiente e obtendo conhecimento; também podemos fazer uso do conhecimento abstrato que construímos coletivamente na nossa cultura.

Enquanto a experimentação pessoal e refinamento podem melhorar seu cérebro construindo diretamente seu entendimento intuitivo, teorias abstratas (baseadas em evidência) podem ter o mesmo efeito sem que precisemos passar pelo mesmo processo que alguém já passou para obter o conhecimento.

Existe, é claro, algum conhecimento prático que está perdido na tradução do abstrato para o concreto, assim como o conhecimento empírico (do processamento preditivo) não possui o rigor que vêm com o fato de ter uma comunidade científica constantemente o alterando, mas ambos são capazes de adaptar nossas mentes de uma maneira mais útil para nós.

Atualizando nosso modelo mental, boas conjecturas, baseadas em evidências coletivas concretas, podem fazer suas predições da realidade mais precisas.

A saída

Conhecimento, seja implícito ou explícito, se baseia em tudo que fazemos.

Pela virtude da evolução, boa parte desse conhecimento está no nosso genoma, que nos programa antes de nascermos. Ele foi selecionado baseado nos esforços para sobreviver de muitas gerações, implantando em nós um “template” de fenótipo que é mais indicado para o nosso ambiente.

No século 21, contudo, nosso ambiente continua mudando em uma taxa exponencial. O conhecimento que está no nosso genoma está se tornando cada vez menos suficiente para nossas tentativas de fazer o mundo ter sentido.

Felizmente, a evolução também nos programou com a habilidade de aprender. Com uma mente que experimenta, prediz e corrige, podemos construir um conhecimento empírico para nos adaptar à outros ambientes relevantes.

Podemos usar nosso eixo de dor/prazer e o efeito que experimentamos como surpresa para nos auto corrigir e construir um entendimento intuitivo do mundo que nos permite entender melhor o que está a nossa volta e as respectivas necessidades.

Para aumentar ainda mais esse entendimento intuitivo, podemos também ficar em pé no ombro dos gigantes que vieram antes de nós na cultura para usar suas teorias e evidências para afiar ainda mais nosso modelo mental de realidade.

Existem muitas maneiras de definir inteligência, e as diferentes definições trazer diferente expectativas, mas por fim, é sobre o quão efetivo um indivíduo pode ser e navegar no seu ambiente.

O conhecimento e suas aplicações são o processo que nos baseamos para construir tudo à nossa volta, e ele começa com o que fazemos para alimentá-lo.


Artigo original: The Two Types of Knowledge (or How to Be Smart)

Traduzido por apetrecho.digital

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