Richard Feynman no Brasil: ele não estava brincando!
Feynman, conhecido por ser um físico brilhante, ganhador de Prêmio Nobel, tendo inspirado até uma técnica de estudos que leva seu nome, teve uma passagem bem peculiar pelo Brasil.
Com direito a participar de desfile de rua durante o carnaval, fazendo parte da banda inclusive, o físico deixou uma mensagem bastante preocupante.
Segundo ele, no Brasil, não se estava ensinando ciência.
Entenda o contexto de sua fala e saiba mais sobre sua especial passagem pelo nosso país.
Neste artigo você vai conferir:
Quem foi Ricard Feynman?
Passagens pelo Brasil: muita física e carnaval
A crítica de Richard Feynman ao ensino de física no Brasil
Uma velha crítica atemporal
Quem foi Richard Feynman?
Brilhante físico nova-iorquino, foi o ganhador do Prêmio Nobel da Física em 1965 por suas contribuições à teoria da Eletrodinâmica Quântica.
Richard Feynman (1918 – 1988) possuía "caráter curioso", conforme revela o título de sua autobiografia "Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman!", publicada em 1985.
Considerado um dos maiores físicos americanos da história, participou ativamente de alguns feitos históricos, como o Projeto Manhattan e liderou as investigações do acidente do Ônibus Espacial Challenger.
Nesta ocasião, impressionou multidões ao aparecer na televisão em uma entrevista coletiva com um copo cheio de gelo fazendo milhões de telespectadores compreenderem o motivo básico do acidente.
Para ele, o acidente teria sido provocado em virtude da combinação do material de uma importante peça e do frio que fazia no momento do lançamento.
Segundo o físico e conforme restou comprovado, temperaturas muito baixas poderiam endurecer e tornar quebradiça uma importante vedação de borracha da nave, sem a qual gases inflamáveis escapariam dos tanques de combustível, sendo esta a causa do acidente.
Diante das câmeras, Feynman tirou um pedaço da vedação que havia colocado no gelo e quebrou-o com a mão, demonstrando de maneira simples a causa do acidente. Assista ao vídeo no YouTube, vale a pena.
Sua capacidade de explicar conceitos extremamente complexos de maneira simples e entendível por qualquer pessoa é uma de suas características mais marcantes.
Apaixonado pela ciência, Feynman buscava compreender a fundo cada conceito e elemento que estudava e isso fazia dele um excelente explicador.
Ele defendia com voracidade a priorização do raciocínio sobre a memorização, direcionando várias críticas ao ensino mecânico.
Seu modo de aprender foi eternizado na Técnica Feynman, segundo a qual é possível aprender qualquer coisa de verdade em quatro passos.
Essa técnica desenvolvida com base na metodologia dos estudos de Feynman, consiste em simplificar os conceitos o máximo possível, livrando-se de jargões e decorebas, possibilitando explicar o conteúdo até para uma criança.
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Passagens pelo Brasil: muita física e carnaval
Feynman tinha alguns amigos brasileiros e a convite destes, esteve no Brasil algumas vezes entre os anos de 1949 e 1966, tendo inclusive desfilado em bloco carnavalesco no Rio de Janeiro em 1952, conforme matéria publicada na Folha de São Paulo.
Na sua autobiografia ele conta de maneira divertida sobre sua experiência com o carnaval e sobre como se tornou um excelente tocador de frigideira, instrumento descrito por ele nos seguintes termos:
"Uma panela de metal, de brinquedo, de quinze centímetros de diâmetro, com um bastãozinho de metal com o qual se bate nela."
Tendo bastante dificuldade no início para desenvolver suas habilidades com o instrumento, o físico se dedicou avidamente ao aprendizado, a ponto de se tornar referência entre os tocadores de frigideiras, servindo de modelo até mesmo para aqueles que já tocavam há tempos.
Com a banda da pequena escola de samba Farsantes de Copacabana, o físico se divertiu a beça, participou de um concurso especial de bandas de Copacabana (no qual sua banda foi campeã) e desfilou com no Carnaval de rua.
Na sua passagem mais longa pelo Brasil, a qual durou dez meses, o físico lecionou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e na Universidade do Brasil (atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ).
No período de setembro de 1951 a maio de 1952, em que esteve por aqui, ele foi convidado a palestrar sobre sua experiência de ensino no Brasil a estudantes, professores e autoridades.
Sua condição foi uma só: que o deixassem falar o que quisesse.
Seu objetivo principal era demonstrar que não se estava ensinando ciência no Brasil, e foi o que ele fez.
A crítica de Richard Feynman ao ensino de física no Brasil
Richard Feynman tinha identificado um sério problema no modo pelo qual se ensinava ciência em nosso País.
Nas aulas de outros professores que assistiu, Feynman notou que ensino era puramente mecânico, onde professores ditavam leis e regras e alunos repetiam mecanicamente tudo aquilo, sem serem capazes de citar exemplos ou aplicações cotidianas daquilo que estudavam.
Nas aulas que ministrou, por sua vez, observou que este modelo de ensino mecânico não funcionava, pois seus alunos sabiam apenas repetir conceitos decorados, sem demonstrar domínio algum sobre o conteúdo.
Bastava reformular a mesma pergunta de uma forma diferente para fazê-los ficarem desorientados.
Na palestra sobre sua experiência com o ensino no Brasil ocorrida em maio 1952, Feynman contou aos ouvintes que uma das primeiras coisas que o chocou quando chegou aqui foi ver a quantidade de garotos do curso primário comprando livros de física.
Há tantas crianças aprendendo física no Brasil, começando muito mais antes que as crianças dos Estados Unidos, que é surpreendente não encontrarmos um grande número de físicos no Brasil — por que isso acontece? Há tantas crianças se esforçando, e não sai nada disso.
Feynman disse que o modelo de ensino utilizado em nosso País se tratava de "um sistema de auto propagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada".
Para ele, não se estava ensinando ciência alguma no Brasil. E para embasar sua crítica, Feynman demonstrou seu ponto de vista utilizando o livro didático de física usado no primeiro ano da faculdade.
Detalhe: o autor desse livro estava na plateia e o físico havia sido avisado sobre isso. Mesmo assim, como lhe fora prometido, deu-se a liberdade de falar o que quisesse, e assim o fez.
Pegou o livro didático de física elementar que os alunos usavam e disse que:
"folheando o livro ao acaso, e pondo o dedo e lendo as frases de cada página, posso lhes mostrar qual é o problema — que isso não é ciência, mas decoreba, e em todos os casos".
Foi o que ele fez. Folheou o livro, pôs o dedo numa parte qualquer e leu: "Triboluminescência é a luz emitida por certos cristais quando friccionados…".
Então disse à sua estarrecida plateia:
"E aqui, temos ciência? Não! Apenas se disse o que uma palavra significa usando outras palavras. Não se disse nada sobre a natureza — que cristais emitem luz quando friccionados, por que emitem luz. Vocês viram algum aluno ir para casa e tentar fazer isso?".
Finalizando sua palestra, Feynman disse que não conseguia ver como alguém era capaz de se formar neste sistema de auto multiplicação, em que as pessoas são aprovadas em exames e ensinam outras pessoas a passar nos exames, mas ninguém sabe de nada.
Richard Feynman não estava brincando! Sua crítica ao ensino mecânico era revestida de verdadeira preocupação com o rumo na ciência neste país.
Sua fala foi bem aceita pelos ouvintes, sendo que o próprio chefe do departamento de formação científica que o assistia reconheceu a sinceridade da sua crítica e a aceitou bem.
Segundo essa autoridade, embora soubesse que existia um mal-estar no sistema educacional, não imaginava que se tratava de algo tão sério, chegando a comparar o ensino mecânico com um câncer.
Feynman fez sua parte como educador e cientista, criticando o sistema com bons e fundamentados argumentos.
Se alguém o escutou ou se algo foi feito, eu não saberia dizer. Todavia, refletindo sobre o que o físico disse, cheguei a algumas conclusões.
Uma velha crítica atemporal
Praticamente sete décadas se passaram desde a crítica de Richard Feynman ao ensino científico no Brasil.
Contudo, esta velha crítica ao ensino superficial e mecânico praticado no país, infelizmente, continua atual.
Se pararmos um instante para analisar como os conceitos nos são ensinados na escola e até mesmo na graduação, vamos compreender o sentido da fala de Richard Feynman.
Toda nossa educação é voltada a decorar conceitos e memorizar dados e datas para passar em provas. É assim na escola, para passar de ano. Depois passar no vestibular e então passar nas matérias da faculdade.
O problema desse sistema de auto propagação é que ele forma repetidores, limitando o potencial de criação e desenvolvimento de novas ideias.
Dificilmente nos aprofundamos em alguns temas específicos e o aprendemos de fato. Isso somente ocorre quando nos identificamos com algum assunto e buscamos por nossa conta compreender do que se trata, indo além de decorar o significado dos termos e conceitos.
Raramente somos incentivados a ir além do conhecimento do nome das coisas e buscar uma compreensão profunda. Isso apenas ocorre com profissões cuja prática já é ensinada desde a sala de aula, como medicina por exemplo.
Em outros casos, todavia, os professores se limitam a ensinar abstratamente, buscando apenas uma memorização de conceitos por parte dos alunos.
Às vezes por não estarem preocupados com a situação mesmo, mas às vezes por igualmente não possuírem um conhecimento aprofundado.
Até mesmo a prática de seminários e trabalhos em grupos, nos quais o aprofundamento do tema é imprescindível, demonstra-se cada vez menos valorizada (tanto pelos professores, mas ainda mais pelos alunos).
Talvez não possamos modificar o sistema. Mas também não precisamos deixar que ele determine o grau do nosso conhecimento.
É preciso, em meio a este sistema falho, que tenhamos iniciativa e interesse para ir além do que nos é passado em sala de aula.
Experimente expandir sua mente e desafie-se a aprender de verdade!